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12 de novembro de 2011

Regulamentação da Emenda 29


Mais um passo para a regulamentação da Emenda 29

Raquel Torres - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Proposta aprovada pela Câmara não define novas fontes de recursos. O próprio relator da proposta reconhece a fragilidade do texto.
Você certamente já ouviu falar (e muito) sobre a Emenda Constitucional 29 , que trata dos recursos financeiros para a saúde. Já faz 11 anos que a Emenda foi aprovada e incorporada à Constituição, e desde então se aguarda uma lei complementar que a regulamente. Até agora, apesar de diferentes projetos em disputa, essa regulamentação ainda não aconteceu.

Dois anos atrás, a Poli publicou uma reportagem especial sobre isso (na edição nº 5 ), apresentando análises sobre os principais projetos em tramitação e identificando dificuldades e expectativas para o financiamento da área. Na época, o então diretor de Programa de Economia da Saúde e Desenvolvimento do Ministério da Saúde, Elias Jorge, deu uma declaração preocupante: “Não basta regulamentar – tem que saber qual é a regulamentação que queremos. Pode ser que, quando aprovada, a lei complementar piore as condições do financiamento da saúde, em vez de melhorá-las”. Hoje, de acordo com ele, é exatamente esse o cenário que está perto de se tornar realidade. “A Câmara aprovou uma aberração”, critica. Ele se refere ao fato de que, no fim de setembro, os deputados finalmente aprovaram um projeto que veio do Senado e já tramitava na Câmara há três anos. Isso torna a regulamentação muito próxima: agora, o texto só precisa ser votado mais uma vez no Senado para se tornar lei. Só que a proposta aprovada em nada aumenta os recursos financeiros por parte da União, e ainda faz com que a saúde deixe de ganhar anualmente cerca de R$ 6 bilhões dos estados.

Entendendo o que aconteceu

A Emenda 29 tem dois objetivos básicos: estabelecer os recursos mínimos que União, estados e municípios devem investir, anualmente, em ações e serviços de saúde, e definir o que pode ser considerado ação ou serviço de saúde. Inserida na Constituição em 2000, ela diz que estados e municípios devem aplicar em saúde, respectivamente, 12% e 15% da arrecadação de determinados impostos, enquanto à União cabe investir o montante aplicado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). A Emenda diz que isso deveria ser feito assim até 2004, e uma lei complementar, reavaliada pelo menos a cada cinco anos, é que estabeleceria efetivamente esses percentuais. Essa é a regulamentação em jogo.

O que a Câmara acaba de votar é um texto que nasceu no Senado e já foi aprovado naquela Casa em maio de 2008. De autoria do então senador Tião Viana, a proposta mantinha os percentuais indicados pela Emenda para estados e municípios, mas mudava as regras para a União, ao estabelecer que ela deveria investir em saúde, no mínimo, 10% de suas receitas correntes brutas. De acordo com Álvaro Dias, líder da oposição no Senado, a União investiria assim R$ 102 bilhões na saúde ainda em 2011, em vez dos cerca de R$ 70 bilhões que são investidos pelos cálculos de hoje.

O problema é que, na Câmara, no longo processo até a aprovação, a proposta sofreu mudanças tão substanciais que o texto se tornou quase irreconhecível. O que os deputados acabaram aprovando é que a União deve investir em saúde o mesmo que no ano anterior, corrigido pela variação do PIB, e estados e municípios devem investir 12% e 15% de determinadas arrecadações. Parece familiar? E é, mesmo. Nesse ponto, a redação não muda em nada o que já é praticado atualmente.

“A Câmara piorou o projeto”, diz relator

As mudanças começaram com um substitutivo do deputado Pepe Vargas ao projeto. Julgando que os 10% das receitas correntes brutas seriam um valor inatingível, ele apresentou um texto que, apesar de voltar a vincular os investimentos da União ao PIB, criava uma nova fonte de receitas: a Contribuição Social da Saúde (CSS), para suprir a falta de verbas. Era esse tributo que estava ‘prendendo’ a votação na Câmara – a maior parte do substitutivo já havia sido aprovada, mas faltava definir a base de cálculo para a CSS. Só que a contribuição acabou sendo rejeitada pelos parlamentares.

Assim, além de a União não precisar investir nada a mais do que já investe hoje, não há recursos adicionais para a saúde. O próprio relator do projeto na Câmara, o deputado Eduardo Cunha, reconhece as deficiências do texto. “A Câmara piorou o projeto, porque as obrigações da União colocadas agora são as que já estão previstas e cumpridas”, diz.

Menos recursos

Embora a CSS pudesse significar mais R$ 20 bilhões para a saúde, muitos afirmam que ela não é necessária, assim como qualquer novo tributo. O senador Álvaro Dias está neste time: “Sou contra qualquer imposto extra. O país já tem uma das maiores cargas tributárias”, diz.

O que pouca gente tem discutido é que apenas uma pequena parcela da população pagaria a CSS, e o valor não seria alto. Ela seria análoga à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) – que significava um desconto de 0,38% sobre movimentações financeiras – mas com algumas diferenças: o desconto seria de 0,1%, e estariam isentos os trabalhadores que recebessem até o teto da Previdência Social, que hoje é de R$ 3.589.

De acordo com Pepe Vargas, a tributação só incidiria sobre 5% da população. “E mesmo quem ganha um salário alto, como R$ 9 mil por mês, pagaria no máximo R$ 6 mensalmente. Essa pessoa, que tem plano privado de saúde e ainda deduz do seu imposto de renda, com subsídio do governo, não quer dar R$ 6 por mês para a saúde”, critica.

O deputado diz ainda que deveriam ser estudadas outras formas de gerar novas fontes de financiamento que incidissem sobre os mais ricos. “Podemos criar tributos sobre grandes fortunas, acabar com deduções de impostos sobre planos de saúde, fazer com que grandes investidores de ações na bolsa paguem mais. Mas, para isso, é preciso romper com a ideia de que qualquer tributo é pecado mortal”, defende.

Além de não criar uma nova fonte, o projeto ainda retira dinheiro do SUS por parte dos estados. Um dos dispositivos do projeto diz que, antes de retirar esses 12% das arrecadações que vão para a saúde, é preciso remover da base de cálculo os recursos que vão para o Fundo de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Assim, esses 12% não serão calculados sobre todos os impostos relacionados, mas sobre um valor menor. Supondo que em determinado estado 20% das arrecadações vão para o Fundeb, as contas ficariam assim: sem esse dispositivo do projeto, a cada R$ 100 que um estado arrecada, R$ 12 precisam ir para a saúde e R$ 20 para o Fundeb. Com o dispositivo, a conta de 12% não é mais feita em cima do total das arrecadações, mas sobre esse valor subtraído do Fundeb (no exemplo, R$ 80). Assim, em vez de investir R$ 12 em saúde, ele precisará investir apenas R$ 9,60. Com números pequenos, a diferença parece pouca. Mas, segundo o Ministério da Saúde, a medida deve retirar do SUS cerca de R$ 6 bilhões anualmente.

Nem tudo é negativo

Para Pepe Vargas, há alguma coisa de positivo no projeto aprovado: “Os artigos que definem o que pode ser considerado despesa com serviços públicos de saúde são um avanço”, diz o deputado.

Por conta de brechas na legislação, hoje, muitos estados e municípios incluem naquele percentual que precisam investir na área despesas como pagamento de aposentados e gastos com merenda escolar. Agora, as despesas estão definidas. Entre as ações e serviços que serão considerados como de saúde estão a formação de trabalhadores; a produção, compra e distribuição de medicamentos; a vigilância em saúde; e as obras na rede física do SUS. Não poderão ser consideradas ações de saúde o pagamento de inativos, a limpeza urbana nem ações de assistência social, entre outras.

Prioridades diferentes

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse ao plenário da Câmara que a saúde precisa de mais R$ 45 bilhões anuais para atingir bons patamares. Segundo o presidente da Frente Parlamentar da Saúde, o deputado Darcísio Perondi, isso é verdade, mas existe uma questão de falta de prioridades no governo.

Do mesmo modo, Nelson Rodrigues dos Santos, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), diz que é necessário não apenas ter mais recursos, mas também mudar essas prioridades. De acordo com ele, gasta-se muito mais com pagamento de dívida pública do que com setores como saúde e educação. Ele afirma que, em 1995, o percentual do Orçamento Geral da União que ia para áreas sociais era 47,5%, e esse valor caiu até chegar a 26,4% em 2005. “Nesses mesmos dez anos, os gastos com a dívida pública saltaram de 18,7% do orçamento, para 42,4% – em 2010, chegaram a 44,9%. O orçamento ficou prisioneiro de uma dívida púbica que, quanto mais cresce, mais sufoca os setores básicos que o orçamento tinha que alimentar”, critica.

Há algumas possibilidades de desfecho no Senado: o texto da Câmara pode ser aprovado na íntegra, ou com a rejeição de algumas mudanças (como a questão do Fundeb), ou pode ainda ser totalmente rejeitado. Nesse caso, o Senado pode aprovar na íntegra o texto que saiu desta Casa legislativa ainda em 2008 – aquele que previa os 10% das receitas correntes brutas da União.

Mas Elias Jorge não acredita que isso vá acontecer. “A área econômica não vai deixar”, diz. De acordo com ele, o ideal seria um novo projeto de lei, à parte da regulamentação da Emenda, propondo uma nova contribuição que desempenhe um padrão de equidade. “Embora a CSS não fosse resolver o problema da saúde – ela era ainda tímida –, seria importante. Mas ficou claro que há uma resistência forte”, lamenta.

Romero Jucá, líder do governo no Senado, diz que a União não tem como aumentar seus investimentos, e nem é possível criar um novo imposto agora. Qual seria a solução, então? “Não tem solução”, sentencia o senador.


Leia mais sobre a regulamentação da Emenda 29 nesta reportagem da revista RET-SUS

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